terça-feira, novembro 21, 2006

O Ténis Feminino - Anne Marie Rouschon

O artigo exposto é realizado com base na apresentação de Anne Marie Rouschon no simpósio Europeu de Treinadores de Ténis 2006. Anne é uma das mais conceituadas especialistas em ténis feminino do mundo, tendo trabalhado com quase todas as grandes jogadoras francesas dos últimos 20 anos enquanto Treinadora Nacional da Federação Francesa de Ténis.


1 – Quais é que são os aspectos necessários para atingir um nível elevado de rendimento no ténis feminino?
2 – Quais é que são as capacidades necessárias para uma rapariga de 7/8 anos de idade?
3 – A competição tem um papel importante no desenvolvimento do jogo antes dos 12 anos de idade?
4 – Quais é que são as especificidades psicológicas entre as jogadoras de idade compreendida entre os 7 e os 12?
5 – Qual é o papel dos pais nos nossos dias?

Quando tentamos responder à primeira questão verificamos que quando falamos de alto rendimento, a ordem dos factores é praticamente inversa aqueles que são os mais relevantes na fase de aprendizagem inicial. No alto rendimento a ordem de importãncia é a seguinte:
1 - Capacidade Mentais
2 - Capacidade Físicas
3 - Capacidade Tácticas
4 - Capacidade Técnicas

Quando falamos da fase de aprendizagem, o primeiro factor alterna com o quarto, sendo que as capacidades técnicas passam a encabeçar a lista.

Obviamente que há uma relação íntima entre o rendimento ao mais alto nível e aquilo que foi feito nas fases iniciais. Vamos tomar como exemplo o caso da Tatiana Golovin.

- A Tatiana começou a jogar ténis quando tinha 3 anos de idade no ASM Belfort Club.
- Desde criança que ela tinha Educação Física por volta de 1 a 2 horas por dia
- em 1995, durante uma visita de um dos treinadores nacionais franceses - P. Dominguez - ficou impressionado com a qualidade do seu jogo. Ela tinha apenas 7 anos de idade!
- A quantidade das sessões de treino subiu de acordo com o programa francês de jovens talentos, mas não foi suficiente para os pais dela que se mudaram para a Nick Bolletieri Tennis Academy de modo a que ela pudesse treinar mais.

A Tatiana Golovin nasceu em Moscovo em 25-01-1988

Uma das regras de ouro nos grandes talentos femininos é que todas atravessam rapidamente o ranking WTA integrando rapidamente o Top 100

Ranking Tennis Europe
2000= U14 : nº49 (com apenas 12 anos!)
2001= U16 : nº310

WTA
2002= nº375 (14 anos de idade! Podendo jogar apenas 5 torneios)
2003= nº345
2004= nº27
2005= nº25 (17 anos de idade)

De um modo geral, todas as melhores jogadoras entram num top 50 antes do 20 anos de idade, sendo que a maioria das melhores são ainda mais precoces. Exemplos disso são a Mónica Seles, Jennifer Capriati, Iva Majoli, Martina Hingis, Anna Kournikova, Mary Pierce, Nicole Vaidisova, etc...

O serviço é uma arma bastante forte que pode e deve ser bem desenvolvida desde a base. Alguns dos aspectos fundamentais são:
- Pega continental (ou de martelo) – é fundamental
- Orientação de ombros e de pés
- lançar a bola com a mão aberta – é fundamental
- posição de ombros – é fundamental
- ritmo no movimento e aceleração para o batimento
- alongamento do corpo no ponto de impacto
- O braço terminar à frente do corpo na fase final do acompanhamento

Todas estas instruções são possíveis de realizar se a jogadora servir da linha de serviço usando uma raquete adequada à idade, e bolas sem pressão.

O projecto familiar é extremamente importante nesta fase. No entanto é necessário ter cuidado com pais demasiadamente envolvidos na carreira dos filhos. Esse facto traz geralmente sucesso desportivo, mas muitos conflitos familiares no presente e no futuro.

Uma nova geração de pais está a aparecer, eles estão mais adaptáveis a novas culturas e apostam muito forte na carreira e no sucesso das suas filhas.

No entanto, para haver sucesso em alto rendimento, o envolvimento dos pais tem de diminuir gradualmente de modo a que o atleta vá tomando conta do seu próprio projecto.

A competição nos sub 12 é extremamente importante para criar hábitos desde cedo. A jogadora começa a perceber o que é estar no circuito profissional, habituando-se a viajar com o treinador, a treinar todos os dias os aspectos tácticos e físicos, e a receber apoio psicológico do treinador.

Características psicológicas da jogadora antes dos 12:

É extremamente importante a comunicação entre pais e treinador nesta fase, visto que é preciso perceber qual é a representação do ténis para a jogadora. Normalmente essa representação está relacionada com os pais, e habitualmente com o pai, razão pela qual a jogadora precisa de resultados a curto prazo porque assim que começa a não ganhar ela estagna a sua evolução devido ao facto de não conseguir lidar com o fracasso, e o que isso representa para ela em termos de auto-estima.

Características psicológicas vitais a ter em consideração para qualquer pessoa que trabalhe com raparigas:

1 - As raparigas preferem colaborar em vez de competir
2 - Ela quer partilhar amizade nos jogos
3 - Ela procura companhia e não confrontação – que é um comportamento masculino (muitos treinadores cometem o erro de esperar das raparigas as mesmas atitudes dos rapazes)
4 - A rapariga sente-se mal numa situação de jogo em singulares e tem de ser preparada para isso psicologicamente.
5 - As raparigas precisam sempre de confirmação que a família e os amigos mais íntimos incluindo o treinador, gostam dela independentemente dos resultados.

A agressividade não é uma qualidade natural no comportamento feminino!!!!

As questões hormonais e em especial a testosterona explicam o comportamento masculino.

Os treinadores usam muitas vezes um discurso agressivo com as atletas femininas como forma de desenvolver a agressividade para ter sucesso em competição – quando pedimos a uma jogadora para ser agressiva ela sente-se muito infeliz, porque ela pensa que tem de odiar a sua adversaria e tem medo de perder o amor das pessoas perto dela.

Por esta razão, a jogadora em fases precoces tem de ser sobreprotegida, o que torna um grupo feminino muito difícil de gerir!!!!

Assim que ela sabe que será protegida, que não vai ser julgada, mas sim que vão gostar dela incondicionalmente...então ela está pronta a actuar...como uma máquina!

Entre outras razões, este comportamento psicológico pode explicar o jogo estereotipado observado no ténis feminino.

A jogadora está sob total domínio do seu treinador e confia nos seus conselhos...”o meu treinador quer que eu ganhe, portanto faço o que ele diz”

Do lado contrário está um jogo mais creativo, que implica que a jogadora seja mais auto-suficiente, menos “sob dominação”, e capaz de tomar as suas próprias opções.

Por estas razões, a relação treinador-atleta funciona realmente como um casal e pode acabar em casamento passado alguns anos.

Por outro lado, esta relação explica o facto de vários pais optarem por serem eles os treinadores das suas filhas, ou de as acompanharem em viagem.

Como treinadores a trabalhar com um talento feminino, devemos comportar-nos de uma forma específica:
1 - Perceber o projecto familiar, ou seja, porquê que eles estão tão envolvidos no jogo da filha, os seus direitos;
2 - Colaborar com eles em vez de lutar contra eles e tirá-los fora;
3 - Associar os pais às decisões e à escolha de programas;
4 - Marcar regras de comportamento, respeitá-las e fazer com todos os restantes envolvidos no projecto as respeitem;
5 - Fazê-los saber sobre os aspectos positivos e negativos da comunicação deles com a auto-confiança da filha e o risco de tal escolha;

Começar a treinar numa idade precoce com o objectivo de atingir o alto rendimento é possível se...

...o treinador souber lidar com as especificidades psicológicas das raparigas nessas idades, e consequentemente adaptar os seus métodos de ensino
...se o treinador se preocupar com as capacidade físicas e adaptar o seu processo de treino
...se o treinador tiver conhecimento dos riscos físicos e psicológicos da desistência precoce e fizer tudo o que estiver ao seu alcance para proteger a jovem jogadora talentosa.

(apresentação de Anne Marie Rouschon no Simpósio Europeu de Treinadores 2006)


César Coutinho
Site: www.cesarcoutinho.com
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