sábado, novembro 22, 2008

Rendimento na Formação ou Formação para o Rendimento?

Factores no percurso do atleta de alto rendimento


Quando trabalhamos com atletas nos escalões de formação o nosso enfoque principal deverá ser na evolução do respectivo atleta, e não os resultados imediatos do mesmo. As duas coisas podem andar a par, mas nem sempre são compatíveis principalmente quando falamos de idades precoces. Vejo muitas vezes em todos os países em que estou, atletas, treinadores e pais mais preocupados em ganhar um jogo do que em fazer aquilo que lhes fará ganhar no futuro. Por vezes vejo treinadores e pais a incentivarem os padrões que farão com que esse atleta possa possivelmente ganhar esse mesmo jogo, mas que ao fazê-lo estarão a reforçar e incentivar um comportamento que de certeza que não lhe fará ganhar muitos jogos mais tarde, quando realmente começar a interessar.
O objectivo de todos os circuitos juvenis é o de preparar o melhor possível os jogadores para a entrada no circuito profissional, sendo que para quem quer ser jogador, esse é o circuito que conta na realidade (o profissional). Os resultados nos juvenis têm sempre de ser relativizados, visto que dependem sempre dos factores que levaram os atletas a conseguir os respectivos resultados. Há diversos factores influenciadores, que por vezes não estão directamente relacionados com os aspectos fundamentais do sucesso de um jogador a longo prazo. Pode haver por exemplo factores maturacionais demasiado presentes, o que altera a “verdade” do resultado, ou o número de anos de prática, que de início é bastante relevante, mas que se vai diluíndo com o passar do tempo. No entanto, sempre que isto se passa desta forma, mais tarde, quando todos começarem a chegar à idade adulta, tudo se começa a nivelar, e alguns dos factores perdem importância, havendo outros que assumem maior relevância.
Enquanto treinadores, quando olhamos para um atleta em idade de formação, devemos procurar identificar os factores que podem vir a ser determinantes na performance desse mesmo atleta no futuro, e não guiar-mo-nos apenas pelo resultado que consegue no torneio X ou Y, ou que consegue contra este ou aquele atleta.
Um atleta para conseguir fazer qualquer coisa a nível internacional, para além das diversas capacidades que tem de ter, tanto técnicas, como físicas, tácticas psicológicas, etc, tem de acreditar que é capaz de conseguir atingir objectivos elevados. De modo a que ele tenha essa perspectiva, obviamente que têm de existir resultados mínimos que o mantenham motivado (e a toda a equipa), mas acima de tudo, tem de sentir que se treinar muito e bem, e for exposto nos locais certos, terá potencial para pelo menos igualar com os melhores do mundo da idade. O/a atleta deve ser exposto regularmente a confrontos com os melhores da idade de modo a que cresçam todos juntos e acabem por se puxar uns aos outros. Isto deve ser feito desde as idades mais tenras desde que devidamente enquadrado no processo. E só quem está a gerir o processo é que sabe a razão dos enquadramentos. Apesar de importante em termos motivacionais, não é uma representação ou duas esporádicas numa selecção nacional que vão ser determinantes no “projecto” de um atleta. Há muitos outros factores muito mais relevantes que assumem importancia vital, tais como:
- o desenvolvimento motor adequado em idades precoces
- o desenvolvimento técnico adequado de modo a que o atleta esteja livre de lacunas e “limpo”
- Um projecto que enquadre torneios nacionais e internacionais adequados ao seu desenvolvimento e plano de objectivos definido pela equipa de trabalho
- Conceptualização e execução de um percurso que lhe permita ser mais atraente para patrocínios e atractivo para as empresas de management, que quando bem utilizadas são uma mais valia bastante grande
- Criação no atleta de uma mentalidade global e mundial, vital para o sucesso numa área como o ténis. Não é a pensar em ser o número 1 de Lisboa ou de Portugal que vai conseguir ser jogador. É preciso ter uma perspectiva global do que é necessário para atingir níveis elevados de performance e focar-se no processo e nos objectivos que o levarão a esses mesmos níveis. A sobrevalorização do resultado leva a frustrações elevadas nos atletas, e a uma perspectiva que nem sempre é condutiva ao desenvolvimento adequado. É o mesmo que estarmos a pensar que queremos ser ricos, sem sequer pensarmos o que temos de fazer (e criar um plano exequível) para o conseguir.

Nos contactos que temos tido com grandes marcas e empresas de management no ténis ao mais alto nível, apercebemo-nos que os resultados (mesmo a nível de top ITF junior) não são o mais relevante na cabeça e nas escolhas dos “olheiros” dessas mesmas marcas e empresas que andam sempre em busca do próximo “Federer” ou “Nadal”, ou “Sharapova”. Há outros factores que assumem vital relevância para os mesmos:
- limpeza técnica – um atleta tem de estar com um bom nível de eficácia em todos os batimentos principais, e ser capaz de gerar velocidade com um bom nível de precisão
- competitividade – que gostaria de definir pela capacidade de lutar e dar o máximo por todos os pontos independentemente do resultado. Jogadores demasiado focados no resultado têm geralmente dificuldade em se manterem positivos durante um jogo todo
- capacidade e velocidade de aprendizagem – fundamental para poder atingir níveis elevados de performance. Há muita coisa a aprender, e quanto mais depressa o fizer (com qualidade) mais depressa poderá competir ao mais alto nível, e mais valerá o atleta na “bolsa” de contractos publicitários, roupa, raquetes, etc...
- enquadramento técnico – por mais que um atleta apresente capacidades, é pouco provável que tenha os resultados pretendidos se não tiver um enquadramento adequado. Estas empresas querem conhecer qual o enquadramento do mesmo de modo a apresentar garantias de qualidade no desenvolvimento dos factores que são sempre necessários de desenvolver em qualquer idade e nível de jogo
- enquadramento familiar – ter a garantia que os pais têm a perspectiva certa relativamente ao projecto, e que caso sejam igualmente os treinadores (que se passa muito no circuito feminino internacional), apresentem o mínimo de garantias nos factores acima mencionados.
- Características físicas – atletas rápidos, explosivos e com boas características genéticas (que tb podem ser trabalhadas), com uma boa base de capacidades sobre a qual terá de assentar bastante trabalho
- Imagem e personalidade – importante para todas as marcas e agentes, visto que estamos a representar marcas que querem assentar a sua estratégia de marketing em figuras de destaque e carisma, tal como querem que sejam as suas empresas.

Ao elaborarmos um projecto para a alta-competição é necessário ter em conta todos estes factores e conseguir ter uma visão a longo prazo, sabendo quais as etapas que o atleta deve atingir em cada faixa etária, em todas as suas vertentes de desenvolvimento. Isto tem de ser pensado pela equipa de trabalho, havendo geralmente uma pessoa que está encarregue do mesmo. Grandes projectos têm geralmente um mentor, que funciona como uma espécie de gestor de recursos humanos de todo o projecto e que tem de ter uma visão alargada e mundializada sobre o fenómeno desportivo em geral e tenístico em particular.

O ténis é um desporto individual e os atletas têm de se focar em dar o seu melhor e planear o melhor possível o seu projecto. A aprendizagem individual do atleta num projecto destes quando bem orientada em termos pessoais, é sempre gratificante e estimuladora de inúmeras capacidades que irão servir o atleta/pessoa para o resto da sua vida. Essa é a PRINCIPAL RIQUEZA DO TÉNIS. Quando se quer fazer uma aposta mais séria tendo em vista o profissionalismo, funciona como um investimento em que os riscos financeiros têm de ser medidos e ponderados...

César Coutinho