segunda-feira, outubro 20, 2008

Reflexão sobre a formação de jogadores em Portugal


Sabemos que a esmagadora maioria dos treinadores trabalham na formação, com crianças e jovens. Sabemos também que a fase mais importante do desenvolvimento do jogador é a sua formação inicial, nomeadamente a nível técnico e táctico. É aqui que muito se decide - uma boa formação de base não garante o sucesso do jogador a médio-longo prazo, mas uma formação deficiente ou incompleta é garantia de insucesso.

Penso que o ténis nacional nunca esteve tão bem servido de técnicos. Existe actualmente em Portugal um sem número de treinadores competentes, motivados e conhecedores da modalidade. Para além disso, podemos constatar uma saudável convivência e partilha de conhecimentos e experiências entre treinadores com diferentes percursos profissionais, o que vem enriquecer ainda mais o nosso ténis. Nunca, como hoje, existiram tantos treinadores no activo com tão vasta experiência como jogadores profissionais, nem tantos treinadores com formação académica superior. Nunca, como hoje, existiram tantos treinadores a viajar e a “beber” o que de melhor se faz lá fora. Também nunca houve, como hoje, tanto interesse pela formação técnica e científica, como podemos constatar nos inúmeros cursos, acções de formação e simpósios realizados em Portugal.

No entanto, é urgente sistematizar este conhecimento e torná-lo acessível e operacional ao maior número possível de técnicos. Para isso, é necessário desenvolver projectos que permitam melhorar ainda mais a qualidade do trabalho que desenvolvemos com os nossos jovens atletas. O desenvolvimento de uma Escola Nacional de Formação de Jogadores, articulada de forma coerente com a formação de treinadores, permitiria que todos falassem a mesma linguagem, tendo por base uma referência comum.

Defendo a criação de um “programa nacional de formação de jogadores” que sirva como linha orientadora do trabalho que desenvolvemos nos clubes com os nossos atletas, e onde estariam contempladas orientações relativas ao trabalho técnico, táctico, físico e mental a desenvolver em cada idade/etapa de desenvolvimento, cargas de treino, orientações relativas à qualidade do treino, programação competitiva, entre outras.

Esse “modelo” deveria servir de referência para o trabalho desenvolvido pelos treinadores nos seus clubes e pela FPT ao nível do PNDT e das selecções nacionais juvenis. A sua elaboração deveria ser feita através de uma discussão alargada, constituída por um grupo de trabalho com os melhores técnicos nacionais e, porque não, com a colaboração de técnicos estrangeiros.

Temos de criar a nossa escola de formação de jogadores, tendo em conta as características normalmente associadas aos nossos atletas (emotivos, sem grande estatura, talentosos) e às especificidades da modalidade em Portugal (pisos diversificados, pouca competitividade interna, país periférico). Podemos constatar que os países mais desenvolvidos no ténis têm o seu modelo de formação e os seus técnicos dominam esse modelo e trabalham de acordo com o mesmo. Não é por acaso que os jogadores franceses (país com mais jogadores no top 100 ATP) são geralmente muito bons tecnicamente e completos em termos tácticos, constituindo o chamado “jogador completo”; os espanhóis são muito fortes física e mentalmente e dominam o jogo de fundo do campo; os croatas possuem um jogo agressivo baseado num excelente serviço e os australianos dominam o serviço e a rede. Estes países, apesar de terem um modelo de formação de jogadores bastante enraizado, têm a capacidade de o adaptar à individualidade de cada jogador. Por esta razão, temos jogadores como Lleiton Hewit que, com o seu estilo mais defensivo ou de contra-ataque, se afasta do padrão-tipo do jogador australiano ou Feliciano Lopez, com um estilo de jogo muito baseado no serviço e num jogo de rede eficiente, algo atípico no ténis espanhol.

O sucesso nos escalões de formação é um bom indicador e dá-nos esperança para o futuro. No entanto, estes resultados correspondem ao princípio de um longo caminho. Não devemos formar jogadores para ter sucesso nos escalões de formação. Se tiverem, melhor, mas a preocupação principal deverá sempre passar pelo desenvolvimento dos requisitos necessários para mais tarde, no circuito profissional, terem maior probabilidade de êxito. Poderíamos perguntar: e que requisitos são esses? A resposta a esta pergunta deveria estar contemplada no programa nacional de formação de jogadores e todos os treinadores deveriam dominar os conteúdos aí expressos.

Penso que a única forma de termos muitos jogadores com qualidade e, principalmente, de forma sustentada de geração em geração, passa por desenvolver um projecto de formação sólido, de base e de âmbito nacional. Esse trabalho passa claramente pelos clubes e pelos seus treinadores. Os clubes devem ser certificados em função da qualidade do trabalho realizado ao nível da formação e devem ser dados incentivos para proporcionar melhores condições a essas entidades. É da qualidade do trabalho realizado pelos treinadores nas centenas de escolas de ténis espalhadas pelo país que depende, em grande parte, o sucesso do nosso ténis. Só desta forma, o ténis português deixará de estar dependente de talentos pontuais ou de felizes coincidências.


Pedro Felner
pfelner@hotmail.com
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